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A Páscoa da minha Infância no Monte

Atualizado: 11 de jan. de 2023

Monte do Carvalhal, 31 de Março 2021


Parece que foi ontem, que a Primavera sorria em tempo de Páscoa aqui no Monte, com os meus Avós António Burrico e a Avó Maria...

O canto dos pássaros, os campos rasos de água, o cheiro das flores que cobriam a terra verde em redor, com bordados amarelos, roxos, brancos e o vermelho sarapintado por entre a planície, das papoilas a dançar na brisa da tarde.

O relógio azul tocava cedo, o avô trazia-o sempre religiosamente do parapeito da lareira para o quarto e dava-lhe corda, para o lembrar pelas 06h00 que era tempo da lida. Por vezes eu acordava com o som dos galhinhos secos de oliveira que ele ia partindo para acender o lume pela manhã.

Ainda tenho o cheiro dele, tão familiar, tão presente na memória da Alma. A avó do Monte, dizia para eu ficar mais um bocadinho, que ainda era cedo e que fazia frio, mas eu enfiava as galochas por cima do pijama e corria atrás dela, já o Avô tinha ido dar de comer à Mula. Era tempo de encher a panela de ferro com água, que para tudo servia aqui em casa – fazer a barba do Avô, encher a bacia para lavar a cara e para o almoço.

Não havia tempo a perder de manhã, dar de comer aos pintos, aos patos, às galinhas, às fracas. Enchia-se as bacias de esmalte de cevada para elas, que já esperavam. E eu, contente que estava de as ir abrir com a Avó e de escancarar a porta da capoeira e abrir alas para os bichos se espalharem pelas ruas do monte, felizes que estavam de andar à solta...Mas a melhor parte ainda estava por chegar.



A avó enchia garrafas de vidro com a farinha amarela da lata e a água quente da panela, agitava, punha a tetina e dizia-me:”_ Leva esta para dares ao borreguinho.” E lá ía eu, com elas na mão, feliz e a cantar. Abria a porta da “malhada” onde estavam os borregos, e lá punha 1 ou 2 ao colo para lhes dar a “Xuxa”. E eles já sabiam, com o rabito a dar-a-dar, e a mamar o leite da manhã. Recordações tão bonitas do cheiro doce do nariz molhado dos borreguitos, da ternura de os abraçar - sinto tantas, tantas saudades...

Depois lá íamos prender os borregos adultos para comerem erva fresca. A avó laçava as pernas dos animais e prendia a corda a um maço que cravava na terra e, quantas vezes não fiquei atascada até aos joelhos de ir a correr atrás dela...

Numa dessas manhãs era esperado o senhor que ía tosquiar as ovelhas, com o seu fato de couro e uma Tesoura de ferro, grande demais para as minhas mãos. E ficava hipnotizada a ver o trabalho tão minucioso, de mãos já calejadas de anos de Tosquia. Pensava que ao tirar a Lã, as ovelhas ficariam despidas das suas roupitas quentes, mas cedo percebi, que era mesmo necessário.



Eram dias bonitos, aqueles passados em muitas Primaveras no Monte...O Avô perguntava se queria ir com ele buscar água ao Poço, perto da Ribeira, ninguém dizia rio Guadiana, era mesmo Ribeira, vá se lá saber...E lá íamos nós, no carro da Água, um bidon em cima da carroça, um funil de esmalte enorme, baldes e cordas, assim se fazia a coleta da água para encher a Talha debaixo da Oliveira em frente à casa e as 2 grandes bilhas de barro que nos davam de beber com o cocharro de cortiça, ainda talhado pelo meu Bisavô Luís Pastor, que não cheguei a conhecer.

Água, tão vital , e ainda mais naquele tempo, onde nada se cultivava, que não fosse de sequeiro. O Avô semeava Melão, Ervilhas, Favas, Cevada, Trigo, Grão e, perto de casa, umas pequenas leiras de Alfaces, Coentros, Tomate, Pimento e pouco mais, já que não havia água com fartura para regar. Banhos, só ao Domingo e no resto da semana, uma grande Bacia fazia o jeito. Eram tempos diferentes, mas que me ensinaram também a importância das pequenas coisas.



A Avó amassava o Pão para a semana (nunca mais comi pão como o dela, amassado num Alguidar enorme de barro), as Popias, os bolos “Passarinho no Ninho” (que ajeitava com uma tesoura para fazer as penas dos mesmos), os Pândegos para fritar, os Bolos Folhados e, até o Pão-de-Ló que ela fazia numa forma no fogão, mais ainda na Páscoa.



Normalmente, quando vínhamos cá, o almoço do Domingo de Aleluia era em casa da Tia Leonor e do Tio Jorge em Moura, com os meus pais, Manuel & Mina, as primas Ana e Sandra. O Avô Burrico adorava esta época! Mesa farta e cheia de histórias e conversa...E que mesa. Não faltava o Borrego Assado ou o Ensopado, o Queijo de Ovelha, a Linguiça, os Torresmos, a banha de cor e, a tia tinha sempre Bolo de Requeijão, Manjar de Amêndoa e Porquinho Doce. E claro, os caramelos de Espanha com pinhão para o Avô, que ele adorava!



Nos tempos que vivemos, com ausência dos Avós e na impossibilidade de estarmos juntos, recordo com saudade momentos que partilhei e que guardo no coração. Talvez não possamos repeti-los, mas perpetuar os mesmos, na recordação e na confeção de alguns dos pratos que eram então elaborados, para que nunca percamos as Tradições, que nos ligam e que nos prendem ao Amor que trazemos em nós.

Tive o privilégio de ter vivido esta época no Alentejo e na Beira-Baixa durante muitos anos, vivi também uma infância verdadeiramente feliz, jamais esqueço os meus Avós e, agradeço de coração o que deles recebi. Fazem-me falta, sim, gostava de os poder abraçar, mas se a Páscoa é um Renascer para a vida, então eles renascem em mim sempre que ela acontece e seguem comigo no coração, hoje e sempre.


Votos de uma Santa e Feliz Páscoa para todos, aqui do Monte, onde hoje vivo, na que era a Casa dos Avós, entre Moura e a Barragem do Pedrogão e, onde tenho a felicidade de receber os nossos Hóspedes na Casa das Oliveiras, Casa da Mina e Casa da Rita, no nosso e também vosso, pedacinho do Céu.


Esperamos por vós e acolhemos os que nos visitam, de Alma e Coração.


Bem hajam.


Rita,

Burrico D´Orada


#burricodorada#rtvaladas#alentejo#Páscoa



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