11 de Maio 2021
O dia ainda à pouco amanhecera, mas já não conseguia dormir. As férias da Escola já haviam começado há quase 2 meses, mas o calor de Agosto, lembrava-me que era tempo de ir para o Monte dos Avós. Havia chegado na passada semana no comboio com o Nuno, tinha deixado para trás o Vilar da Lapa e depois de 3 semanas, o Avô João tinha-nos levado à Estação da Barca da Amieira – O farnel na cesta que a Avó Jesus tinha preparado para a Viagem...Bolo Escuro, Broinhas e a garrafa da Limonada aninhada na beira do saco para beber na viagem. Ouvi o apito do comboio, a acenar lá de longe, era hora de seguir para Lisboa, o pai ou o tio Zé estariam à nossa espera em Santa Apolónia. Para trás ficavam semanas de caminhadas na serra, de construção de tendas de Indios, de jogadas de cartas pela tarde fora para fugir da sesta e do calor, de leituras de livros d` Os Cinco, de banhos de tanque na aldeia e dos mimos da Avó Jesus e dos primos. As férias não tinham fim naquele tempo, e o saco estava já preparado outra vez. O pai ía levar-me à Casal Ribeiro nesse Domingo à tarde, levava o lanchinho que a Mãe tinha preparado e já sabia que o Sr.Reboxo, o motorista de sempre, me aguardava na Camioneta que seguia para Moura. Com os meus 9 anos, já não tinha medo, era uma aventura estas viagens, adorava passar as férias entre a Beira-Baixa e o Baixo-Alentejo. E agora, era hora de seguir rumo a Sul. Depois de 3 horas de caminho, com paragem em Évora, chegava finalmente ao destino. A Tia Leonor já estava à minha espera com o Tio Jorge, e eu prontamente sabia que iria ainda ficar uns dias na vila, disfrutar da companhia das primas e dos banhos na Piscina de Moura. Os Avós já tinham telefonado, queriam ir buscar-me na carrinha com a Mula, mas a Tia insistia: _” Oh, mãe, ela ainda agora aqui chegou, deixem-na ficar uns dias!” E era, cada um “guerreava” a dizer o que sentia.
Eu ria daquilo tudo, acabava sempre por ficar umas noites em Moura, o dia passado na Piscina ou no fresco da casa dos tios e à noite, lá íamos nós dar umas voltinhas até ao Jardim e na Praça. O Verão à noite no Alentejo é mesmo na rua. Água fresca, gelados e até tarde, estava calor demais para dormir.
A Tia Leonor fazia sempre os pratos que eu gostava, o ensopado de borrego, o borrego com ervilhas, o bolo de requeijão, eram só mimos, que eu adorava!
No final da semana, já sabia que era hora de ir para o Monte. O Avô Burrico chegava com a Avó nessa manhã a buscar-me. A Tia mandava sempre o saco com os “Oitos” e o Queijo de Ovelha Curado que eu tanto gostava. A Mula tinha ficado na Estalagem a comer o feno, não muito longe da casa dos Tios, perto da Casa Cavalheiro, os Avós aproveitavam para fazer umas pequenas compras – farinha para os pintos, cevada para a Égua e para a criação , umas Linguiças e Laranjada, que eu só bebia quando cá vinha de visita. É curiosos como nos lembramos dos sabores e cheiros da nossa infância. Até dos Avós, é como uma colónia eterna que fica entranhada na Alma, sempre inundando os olhos de vez a vez, quando dos vem ao pensamento e ao coração...
E a meio da manhã lá íamos nós, na carrinha de madeira azul e vermelha dos Avós. Era uma emoção, toda eu vibrava de fazer o caminho para o Monte, ainda que levasse quase 2h30 a trote, no compasso pachorrento, mas cadenceado da Mula, que tão fielmente nos levava de volta a casa. A Avó punha-me sempre um lenço na cabeça, por causa do Sol, como ela, e o Avô com o seu chapéu, com um lenço por dentro por causa das moscas e do calor, o colete e o relógio de Cordão no bolsinho do mesmo, mangas de camisa arregaçada, ía assobiando e cantando todo o caminho, sem parar. Eu perguntava se a Mula não estaria já cansada, ao que o meu Avô respodia a sorrir : “_ Não neta, ela gosta é de passear!” E eu cantava com ele, olhava os campos em redor, naquela altura apenas juncados de Olival antigo, Meloal, Figueiras e Trigo.
No momento da chegada, não parava de falar e de correr de um lado para o outro, era tempo de espreitar as galinhas, se o Avô tinha feito algumas coisa de novo no Monte, se a Avó tinha mudado as camas, até porque nem sempre dormia no mesmo quarto na caminha de ferro perto da deles, também às vezes dormia no divã do quartinho de costura, mas sempre feliz de estar outra vez naquele pedacinho de chão.
Os dias começava muito cedo, havia que aproveitar as manhãs, para alimentar os perús, as galinhas, as fracas, os borregos, a Mula, os pintos e os coelhos. A “Vó do Monte”, como sempre lhe chamei, varria as ruas do Monte das forricas dos animais e eu corria a pôr água nos bebedouros, até porque a partir das 12h já fazia muito calor.
Não havia água corrente e muitas vezes quando íamos buscá-la ao poço, perto da ribeira, a Vó levava roupa para lavar. Ainda não existia barragem e, naquele tempo o rio corria ainda mais livre e puro. Eu chapinhava e tentava apanhar rãs, enquanto a Vó esfregava a roupa nas pedras com o Sabão Azul e Branco, tudo ficava cheiroso e fresco, até eu 😉.
O Sol já ía alto, na véspera eu e a Avó tínhamos depenado um frango, que era agora o almoço. Ela fritiava-o aos bocadinhos no azeite e na banha que ela mesmo tinha preparado no inverno com a matança do porco, temperava com alho, sal, louro e mais nada. Comia-se com uma salada e pão que ela havia amassado no Sábado anterior.
No Monte naquela altura não havia horta, apenas umas leiras pequenas, que os Avós chamavam de crinchoso. A Água era ontem e hoje um bem muito precioso, mas naqueles tempos não havia cultivo intensivo, a terra era cultivada com respeito, de acordo com a estação do ano e recordo-me que o Avô respeitava o pousio da terra – cultivava culturas de Época: O Melão, as Ervilhas, as Favas, o Grão, a Azeitona, os Figos e alguns Tomates, Pimentos, Pepinos e Coentros.
Matava-se o Porco quase sempre no início de Fevereiro, curava-se as carnes e o Toucinho e tínhamos linguíças, chouriças de sangue, entremeada, papada para o ano todo na salgadeira.
Assim era, não havia fartura, preparava-se o que a terra dava e no Verão, como não havia frigorífico, nem congelador, o que se comia era preparado no próprio dia. Às vezes um caldo de Peixe do rio com poejos e hortelã da ribeira e umas sopas de tomate com bacalhau com Ovo, que a Avó comprava na Mercearia no Pedrogão, ou em Moura.
As tardes eram quentes e longas, assim como as noites. Depois de almoço dormia-se a sesta, só se ouviam as moscas e não “bulia” uma folha, naqueles meses de Agosto, posso dizer que o calor era muito mais pesado que agora, que vivo aqui.
Ao final da tarde era típico ver a Vó cozer à máquina na sua máquina a pedal, enquanto o Avô cantava as suas modinhas. Às vezes montava-se a máquina de moer o Pimento e lá dava eu à manivela, para preparar a Massa de Pimentão que a Vó guardava em grandes frascos de vidro.
Ao anoitecer, dava-se comer aos Animais e quando o sol já se tinha posto e se ouviam os grilos a cantar, acendiam-se os candeeiros a petróleo.
Naquele tempo não havia melgas, apenas um calor desmesurado, que nos fazia ficar até bem tarde a olhar para um céu infinito de estrelas que cobria o Monte, e deixarmo-nos embalar pelo cantar dos grilos e das cantigas do Avô Burrico, ali, na soleira da porta, estirados em cima das mantas, enquanto esperávamos a aurora clarear de novo e abrir a janela a um novo dia.
Nos Verões no Monte da minha infância, havia sempre tempo...Tempo para olhar os campos dourados, tempo para sentir a brisa que acariciava os ramos das oliveiras, tempo para saborear a água fresca da bilha de barro, que o Avô acabara de encher com a Água do poço, tempo para sentir nas mãos a massa do pão e das popias, no alguidar de barro, onde cabiam duas de mim, tempo para conversar nas horas infinitas das noites de estio, tempo para ver o Avô a fazer a barba no meio da rua do monte em ceroulas, tempo para lavar a louça no alguidar cheio de frescura em frente à porta do Monte, tempo para abrir um Melão doce e lambuzar os dedos enquanto avô cantava, tempo para abraçar os meus Avós...Que agora me abençoam desde o alto do Céu e me aconchegam por entre estes novos Verões, aqui no Monte, onde esperamos por quem nos visita, sempre com Alma e coração.
Bem hajam,
Rita Valadas
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